Minha múltipla cidadania
Nos meses de Abril e Março acontece o aniversário de muita gente que amo, daquela que me pariu e me amamentou até daqueles que me receberam como membra de suas famílias. O desmame foi meio que abrupto e inevitável. Saí de Venceslau aos 16. Fui exilada para a capital Paulista. Não me acostumei com os Paulistanos, literalmente. Voltei para o interior, paranaense. Morei quatro anos nessa terra de Japas, Polacos e Italianos. Experiência que posso descrever em poucas palavras: necessária.
Depois de cinco anos distante, resolvi fugir do país. Aos 21 anos me vi com um diploma de jornalismo e um coração aberto para o American Dream. Saint Petersburg, Florida, conhecida como refúgio dos artistas Beats, a sede do maior acervo das obras do Salvador Dali, e dava para visitar constantemente e para mim, nada mais importava. Me formei em Artes Liberais, me tornei Americana na alma, mas as saudades do Brasil pintaram, fui aquela filha que reencontrou a mãe no aeroporto, abraçou, chorou, mas precisou se despedir e embarcar novamente.
Rio Grande do Sul lá fui eu. Parar no extremo sul, no alto das montanhas da serra gaúcha, parecia frio demais para ser verdade. E foi. Lá vi neve e nevar. Caxias do Sul tem coisas semelhantes ao Paraná como o "clima instável e úmido, a desconfiança e frieza nas relações sociais, e a cosmopolização, também gerada pela imigração européia voltada ao trabalho e a promessas não cumpridas." Foram quase 16 anos de gauchismo e ironicamente aprendi a não tomar mais álcool (vinho), tornei-me vegana e me interessei por tocar bateria e atuação (até então só escrevia).
O tempo passou, fui alfabetizada no gauchês, adquiri meu próprio apartamento, apresentei-me em palco para um público de 700 pessoas, larguei os cabelos normais, assumi tatuagens e comecei a lecionar alemão e português para gringos verdadeiros, comecei minha terceira graduação (psicologia), não terminei a faculdade, meu amor pela dança floreceu, sofri por decepções patrão/empregado risíveis, apanhei da vida, saí do Rio Grande sem o terceiro canudo e com uma dívida astronômica para ter encerrado minha empresa. Adotamos 4 gatos no sul e mais 2 aqui em Presidente Venceslau. Formei mais de 2000 alunos em Caxias do Sul, escrevi alguns livros, revisei as letras de alguns álbuns, fiz e desfiz amigos, fiz inimigos, saí da zona de conforto por perder funcionarios, mas ganhei paz de espírito por não precisar mais de lidar com sindicatos, advogados trabalhistas e "zero" seleção de funcionários. Aprendi muito, viajei um monte, li pra caralho, encontrei a profissão da minha vida e por fim, até que enfim, cheguei à conclusão que o lugar que me criou de fato, foi a minha mente, após anos de terapia: é a nossa cabeça que nos cria.
Vinte e Seis anos de vida mambembe, oscilando entre culturas, aprendi-me. Hoje não sinto nada além do sentimento de missão cumprida. Fui pop, punk, rebelde, mas nada fora de controle. Agora me aproximo geograficamente da minha terra de nascença, essa Venceslau tosquinha. Mas tenho passaporte e vistos bons: as visitas ao exterior serão assíduas. Talvez tenha a oportunidade de conhecer a Ásia e o Oriente Médio, os continentes que me faltam. Nesses meus 42 anos de vida, e 27 longe de casa, foram precisos para conhecer quem sou, e moldar quem EU quero me evoluir. Tenho sonhado com isso.
Não por acaso que me identifico tanto com artes, IDIOMAS, astronomia, e neurociências. Não é coincidência que meu novo livro se chama ''MindSet'. Essa casa também é minha. Não estou sendo ingrata com a madrasta Caxias, afinal ela me criou e me ensinou muito, claro que não foi uma pedagogia baseada em Psicopedagogos, eu aprendi à base da porrada. Foram 4 anos e meio de análise para aceitar que o Brasil é onde nasci. Acontece que eu nunca me senti em casa, desde pequena (ou criança). Ainda sou exilada, "gringa", uma foragida, exilada da minha alma. Ainda sou estrangeira. Ainda sou um clone de mim mesma.
E ainda sonho em encontrar o passaporte que me informe sobre de onde vim; a minha verdadeira cidadania. Acho que chego lá...
De uma "Venceslauense",
Laila C. Batista